Conselhos paulinos para tempos de revolução

Por Eric Leuthier
Autor: Gustavo Nering (Crentassos)

Irai-vos, mas não pequeis.
Efésios IV


Eis que o conselho do apóstolo mais prolixo do Novo Testamento vem como uma luva feita sob medida pra atual situação política do nosso país. Quando o bixo pega, Paulo pede calma, respira e não saia por aí chutando o balde de forma inconsequente. Você pode ficar com raiva, mas não vá fazer besteira por causa disso.
Fui lembrado por um texto que, assim como o apóstolo, pede calma nesses tempos de muito sangue a flor da pele de um fato que já sabia: em todas as artes marciais, essas treinamento de guerra do lado do mundo que a gente não estuda na escola, a saber, o oriente, uma dos principais treinos é o de manter o sangue frio e o raciocínio sob controle mesmo quando a coisa esquenta. Um amigo meu, entre outras coisas lutador de Kung Fu, falou que toda vez que perdeu a cabeça numa luta, a luta já estava perdida.
Antes de mais nada, um parênteses: não quero escrever um texto condenando os atos de vandalismo que acontecem nessas situações. Pra explicar essa situação uma parabolazinha básica: um pai ausente (o Estado) e um filho carente (o povo); o pai nunca está nem aí pro filho, a não ser quando o filho faz algo de errado; como filho sente uma necessidade de atenção, ele cria um padrão de comportamento não muito agradável pra conseguir a atenção do pai. Não é o melhor jeito mas funciona. Não justifica mas explica. Se é lícito ou não, não sei dizer, sei que existe uma necessidade de mudança e pra essa mudança acontecer certas atitudes mais enérgicas parecem ser necessárias. Seja um mal comportamento de um filho ou uns ônibus queimados pelo povo. Fecha parênteses.
Voltando ao texto, entramos nas exigências radicais do Novo Testamento em que Paulo, assim como Jesus, pede coisas que  não fazem parte da nossa “natureza”. Da minha interpretação, o conselho de Paulo pede pra que, mesmo quando o sangue subir pra cabeça, o ideal é segurar as rédeas e não agir irresponsavelmente. Em outra parte Paulo fala pra gente não pagar o mal com mal, ou seja, não agir com vingança, não seguir o primeiro impulso, mas perdoar, ou, como pede Jesus, dar a outra face.
Uma ressalva problemática: esse tipo de exigência é algo limitado aos cristãos. Um controle irrestrito e responsável das ações é algo que não dá pra exigir de quem não é salvo pelo Espírito Santo. Essa mansidão, essa calma, como Paulo fala em outro endereço, é fruto do Espírito, logo faz parte daqueles que recebem esse fruto*.
Segundo, a meu ver, é aí que entra o papel do cristão em tempos de revolução popular. Se você observar as bem-aventuranças lá no discurso inaugural do sermão do monte (Mt V), Jesus bem-aventura tanto os mansos como os que tem sede de justiça. Nessas bem-aventuranças Jesus elenca características dos seus seguidores** e, com isso, deixa claro nosso que papel é, entre outras coisas, o de sermos pacificadores ao mesmo tempo que temos voz profética e transformadora num mundo tomado de injustiças e desigualdades sociais.
O que falei até aqui foi só baseado em alguns trechos do Novo Testamento, mas mais pra trás na Bíblia tem todo um aparato de profetas do Antigo Testamento que não só pregaram como fizeram acontecer contra toda a injustiça que os poderosos de Israel aprontavam pro povo, mas essa parte eu deixo pro Milhoranza.
Se você for pra rua — e eu sugiro que vá, se tiver a oportunidade — não seja irresponsável ou inconsequente; seja ético, seja inteligente e estratégico. Somos porta-voz e representantes do amor, da esperança e do perdão. Devemos procurar ao máximo proteger a vida, tanto nas manifestações em si quanto nos frutos dessas manifestações.


* Não sei se coloco esse asterisco ou não, mas não gostaria de correr o risco de ser mal interpretado e gerar um mal estar caso algum cristão se coloque em um nível superior por ter esse fruto do Espírito ou algum não cristão pare de ler esse texto por se sentir fora do pacote. Como cristão, acredito que fomos todos feitos à imagem e semelhança de Deus, logo todos temos alguns desses frutos que vem de Deus. Os salvos, da minha interpretação, são aqueles que sabem que esses frutos não são mérito próprio, mas benção divina.
** John Stott em seu livro Contra Cultura Cristã coloca que as bem-aventuranças são características do cristão, todas as bem-aventuranças e não uma ou outra, elas como um todo fazem parte do que Jesus espera daqueles que o seguem.
Kyrie eleison

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